A SÉRIE ADOLESCÊNCIA:ENTRE O VISTO E O INVISÍVEL
- Daniela Devides
- 12 de abr.
- 4 min de leitura
Atualizado: 6 de mai.
Por Daniela Devides, especialista em Educação Socioemocional
e Psicologia Positiva, pós-graduada pela PUCRS, escritora,
palestrante, mantenedora do Colégio Degrau de Araçatuba.
Confesso que passei noites inquietas após assistir à série "Adolescência" na Netflix. Não apenas pela trama envolvente, mas porque cada cena devolvia perguntas que carrego comigo em três décadas dedicadas à educação: o que não estamos vendo? O que poderia ter sido feito antes? O que fazemos quando o invisível se torna tragicamente visível?
A história de um adolescente de 13 anos acusado de assassinar uma colega nos arranca da zona de conforto e nos coloca diante do espelho social. Ali, refletida, está nossa incapacidade coletiva de ler os sinais silenciosos que antecedem o grito.
Tenho caminhado pelos corredores da minha escola com olhar mais atento desde então. Observo as risadas no pátio, o silêncio na sala de aula, os olhares diversos na cantina. Quantas histórias não contadas existem ali?
O cérebro adolescente é uma obra inacabada – literalmente. A neurociência nos mostra que o córtex pré-frontal, responsável pelo julgamento e controle de impulsos, está em plena construção até o início da vida adulta. É como dirigir um carro potente com os freios ainda em instalação. Fascinante e aterrorizante ao mesmo tempo.
Mas conhecer essa realidade biológica não é suficiente. Precisamos transformar esse conhecimento em acolhimento concreto, em práticas cotidianas que fortaleçam as redes de proteção ao redor dos nossos jovens.
Muitos podem se perguntar por que eu, que dedico minha vida a estudar e promover a felicidade, escolho abordar temas tão sombrios. A resposta é simples e profunda: a felicidade autêntica não é ausência de dor ou negação da realidade. A Psicologia Positiva nos ensina que a verdadeira felicidade inclui a capacidade de processar emoções difíceis e encontrar significado mesmo nos momentos mais desafiadores.
Quando evitamos olhar para o sofrimento – seja o nosso ou o dos outros – criamos uma falsa felicidade, frágil como castelo de areia. Tragédias como a retratada na série nos lembram que não há atalhos para o bem-estar. Precisamos construir comunidades onde a dor possa ser nomeada e acolhida, onde vulnerabilidades sejam vistas não como fraquezas, mas como portas para conexões genuínas. Só assim cultivamos uma felicidade resiliente, capaz de resistir às inevitáveis tempestades da vida.
Um aspecto que "Adolescência" retrata com precisão é como nossa sociedade ainda estigmatiza a vulnerabilidade emocional, especialmente entre meninos. A pressão para "ser forte" e "não demonstrar fraqueza" cria uma panela de pressão emocional que eventualmente pode explodir. Temos que trabalhar ativamente para desconstruir esses estereótipos. Criar espaços seguros onde expressar emoções é visto como sinal de força, não de fraqueza. Quantas explosões emocionais poderiam ser evitadas se criássemos mais espaços seguros para expressão emocional genuína?
Uma estratégia significativa é transformar a sala dos professores em um lugar onde a pergunta "como você está?" é feita com tempo e espaço para respostas verdadeiras. Porque educadores emocionalmente acolhidos conseguem acolher seus estudantes. É um efeito cascata que começa com pequenas mudanças na cultura institucional.
A prevenção de tragédias como a retratada na série passa por uma revolução silenciosa na forma como vemos a educação. Não como transmissão de conteúdo, mas como cultivo intencional de humanidade. Isso significa investir seriamente em educação socioemocional sistemática. Não como "modismo pedagógico" ou "momento feliz da semana", mas como desenvolvimento intencional de competências para a vida. Significa formar educadores capazes de identificar sinais sutis de sofrimento psíquico. Significa construir parcerias autênticas com as famílias, para além das reuniões ritualizadas sobre notas e comportamento.
Criar grupos de apoio para famílias, onde pais e responsáveis encontram espaço seguro para compartilhar desafios e aprender sobre desenvolvimento adolescente. A adolescência sempre será uma fase de transformações intensas e desafios de identidade. Mas não precisamos normalizar o sofrimento extremo ou a violência como "parte do pacote". Podemos – e devemos – criar ilhas de sanidade onde nossos jovens possam navegar com mais segurança pelas turbulências dessa fase.
"Adolescência", a série, nos desafia a olhar para o que preferimos não ver. Nos convida a questionar o que consideramos normal e o que classificamos como "fase". Nos lembra que, por trás de comportamentos perturbadores, existem necessidades humanas buscando expressão – muitas vezes de formas distorcidas pela falta de ferramentas emocionais adequadas.
Como sociedade, precisamos urgentemente devolver aos nossos adolescentes algo que tem sido roubado deles: a esperança. Em um mundo de crises climáticas, polarização política, desigualdades crescentes e futuro profissional incerto, muitos jovens se perguntam: vale a pena sonhar? Vale a pena se esforçar?
Nossa resposta a essa pergunta silenciosa precisa ser um inequívoco "sim". E mais que palavras, precisamos demonstrar esse "sim" através de escolas que sejam verdadeiros santuários de desenvolvimento humano e famílias que são verdadeiras pontes de apoio e escuta onde cada adolescente possa se sentir visto, ouvido e valorizado em sua singularidade.
Talvez assim, um dia, séries como "Adolescência" sejam apenas ficção – e não um reflexo doloroso de uma realidade que falhou em proteger seus jovens. Até lá, sigamos construindo, dia após dia, as pequenas revoluções que podem transformar o invisível em visível, antes que seja tarde demais.
DANIELA DEVIDES
Especialista em Felicidade / Pós Graduada pela PUCRS
Escritora / Palestrante / Diretora do Colégio Degrau de Araçatuba
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